Euzébio Martins de Negreiros – o poeta Senador

 


 


Hadoock Ezequiel Araújo de Medeiros

 

            No último da 15 de janeiro, de 2021, partiu para o outro plano, aos 92 anos de idade, uma das figuras mais importantes da cultura popular de Currais Novos - o Senhor Euzébio Martins de Negreiros, popularmente conhecido como Senador. Admirador da cantoria de viola, foi membro e presidente da Associação Estadual de Poetas Populares - AEPP, em Currais Novos.

Senador, era um homem simpático, simples alegre e feliz. Por onde passava acenava, distribuindo sorriso e poesia. Além de poeta, mantinha um programa em uma Rádio local.   Amava política e era participante assíduo das sessões da Câmara Municipal, de Currais Novos-RN e ainda dedicava um tempinho do dia para fazer visitas aos doentes, no Hospital Regional Dr. Mariano Coelho.

Como homenagem a essa ilustre figura da nossa cidade, Currais Novos, apresento ao leitor, uma entrevista realizada em 2018, em que tive a oportunidade de conhecer melhor a história de vida de Senador. Fica aqui, um registro da memória desse grande homem.

Entrevista realizada em 24 de novembro, de 2018.

Entrevistador: Professor mestre Hadoock Ezequiel Araújo de Medeiros

Entrevistado: Euzébio Martins de Negreiros

 

ENTREVISTA- SENADOR

“Será o maior projeto

Do nordeste brasileiro

E também o mais antigo

Foi o de D. Pedro primeiro

Banhando algumas montanhas

Desce no Rio Piranhas

Enche o Armando Ribeiro”. 

 

(Senador)

 

PROFESSOR – Qual é o nome que está por trás do tão conhecido Senador?

SENADOR – Euzébio Martins de Negreiros

PROFESSOR – Quantos anos o Senhor tem?

SENADOR – Sou infantil. 89 e 12 dias no local que estou agora.

PROFESSOR – Qual a sua origem?

SENADOR – Sou Acariense, tanto do paterno quanto do materno, mas nasci na cidade das Flores, hoje Florânia/RN.

PROFESSOR – Como o senhor veio parar aqui na cidade de Currais Novos?

SENADOR – Nasci lá em Florânia e me batizei lá. Nasci em 12 de novembro de 1929. Morei até meus 12 anos de idade na Cidade das Flores. Currais Novos me adotou em 1941. E moro aqui há 89 anos.

PROFESSOR – Por que o Senhor se mudou para Currais Novos?

SENADOR – Sua pergunta agora doeu em mim. Minha genitora morreu quando eu tinha 12 anos, em 1941. Ela pediu para que meu pai viesse pra cá. Morreu de parto nas mãos de Doutor Mariano Coelho. Doutor Mariano era gente boa. Me lembro de uma cena em que ele estava fazendo um parto e o povo aperreando ele, querendo que ele fosse atender outros pacientes. Ele saiu todo ensanguentado da sala e disse:

“- Tenha, dó de mim! Doutor também morre”.

Ele clamou. Isso é uma tristeza. É mesmo que estar ouvindo. Eu choro ainda hoje.

PROFESSOR – Como foram os primeiros dias do Senhor em Currais Novos?

SENADOR – Vou começar pela situação financeira. Eu não tinha parentes na cidade. Diante deste sofrimento, o que mais me doía era querer aprender a ler e escrever e viver trabalhando nos carnaubais não tinha como. Dentro dessa ânsia de aprender, um primo me deu as primeiras lições. Ele só tinha o quarto ano primário, mas na época, era mesmo que ser um doutor. Aí, um belo dia, nós vivíamos na casa da genitora dele e ele disse:

- Euzébio, o senhor tem muito talento!

E me deu um conselho:

- Compre um dicionário ou uma gramática.

Mas eu não sabia nem a primeira letra do meu nome, mas o conselho dele me preocupou. Ele e meu avô me deu algumas lições. Primeiro nome que li foi interessante. Eu vinha do sítio em Florânia com um feixe de capim na cabeça. Sentei encima do feixe. Ia acontecer a festa do padroeiro São Sebastião. Seu Tomaz Silva era dono de um café, na lateral do mercado. Tinha restaurado o imóvel e mandou pintar o prediozinho e o cara escreveu com muita propriedade a palavra café. Ou dia rico para mim! E eu fiquei a soletrar e teve um minuto que eu juntei as duas sílabas. Aí meu filho, eu me apressei e disse: ali é café!  Eu disse. Sai correndo parra casa, contente com o sorriso no rosto. Eu vivia de fazer vassouras e vender na região por dois tostões. Aí vendi umas e comprei um perfume pra minha irmã e sobrou 500 reis no bolso. Aí Antônio Quintino, velho, tava na sua loja, a Mina de Ouro. Quando eu entrei, ele me olhou por cima dos óculos. Olhei para a prateleira e disse:

- Ô livrão!

Então ele respondeu:

- É um dicionário.

- Quanto custa? Perguntei.

- Mil e Quinhentos. Ele respondeu.

- Eu queria comprar, mas só compro se for fiado.

Aí o véi olhou pra mim e disse: - Qual é o seu nome?

Naquela época, eu inda não era batizado não e meu pai tinha me dado o nome de Ozebre Oleriano da Silva. Assim falei pra ele.

Eu disse que daria 500 reis a ele e pagava o resto depois. Ele podia guardar o livro pra mim que eu só pegava quando terminasse de pagar. Nessa hora, vinha chegando um velho, o Senhor fazendeiro Manoel Capitão e disse:

- Antônio. Quanto é esse livro?

Seu Antônio respondeu:

- É mil e quinhentos, mas já tá vendido a esse rapaz aí.

O véi olhou para ele e disse:

- Eu lhe dou 3 mil reis agora!

Antônio olhou pra ele e disse:

- Agora você tem que se entender com o rapaz aí.

Meu coração ficou batendo de medo e confirmei:

- Seu Antônio, tá tudo certo aí?

Aí seu Antônio disse ao velho que ficasse calmo que ia chegar muitos livros na loja. Depois disso eu fiquei calmo e com um tempo eu paguei o resto do livro. Fiquei com o nome prestigiado na praça.

PROFESSOR – Por que esse nome popular de Senador?

SENADOR – Perguntou uma coisa com muita propriedade. Eu morava em Acari a muito tempo. Era noite de festa política. Antevéspera da eleição. Eu tinha um cumpadre, Silvio Bezerra Filho. Vulgo Bigodão, que era promotor de Acari. Eu vinha na rua e encontrei ele cheio de álcool com um litro de whisky debaixo do braço e me disse:

- Cumpadre, hoje você não vai beber cachaça não. Hoje você vai beber whisky com seu cumpadre. Eu para fazer minha legítima defesa disse: - Cumpadre, gosto muito de beber, mas estou cirurgiado e ainda não cicatrizou. Meu amigo, vendo que eu não bebia nem fumava, disse para Bigodão que na verdade eu tava com medo de dizer não e tinha inventado essa história. Então, o cumpadre disse: - O senhor só num é santo. Amanhã eu vou lhe candidatar a senador da República Federal!

PROFESSOR – Como o Senhor conheceu a poesia?

SENADOR – Isso não é coisa do nosso planeta! Quando você fabrica a poesia vem do dom divino de Deus. A poesia você precisa filtrar as palavras. Gosto de assistir programas de fantasia como futebol, mas eu não tenho lucros com isso, mas se eu assisto um programa do Senado ou um Júri, e colher alguma palavra dali, tem propriedade científica. E isso é importante. Eu não perco um tribunal.

PROFESSOR – Como o Senhor conheceu a poesia popular?

SENADOR – Isso foi fácil desencantar! Eu gostava de ouvir os violeiros cantar. Deixe eu apanhar meu documento de associado ali. Eu fui presidente da Associação Estadual de Poetas Populares  - AEPP, em Currais Novos. Isso me influenciou bastante.

PROFESSOR – Como era a vivência com a poesia na sua juventude?

SENADOR – Muito mais difícil do que hoje, mas o senhor vai encontrar em mim as bases dos poetas antigos. Os violeiros e cordelistas. Aqui vinha um velho de Caicó vender cordel na feira.

PROFESSOR – Como o Senhor começou a produzir seus poemas?

SENADOR – aqui e acolá eu comecei a fazer uns poemas sem colocar dentro da estrutura. Aí, um dia, eu fiz a primeira delas sobre Florânia:

 

Sou filho do Seridó

Sou da cidade das flores

Que na minha mocidade

Foi terra dos meus amores

A minha terra querida

Encanto da minha vida

Reinado dos trovadores.

 

 

PROFESSOR – Qual a importância da poesia para a sociedade?

SENADOR – Para uns, importantes, para outros, só desigualdade. Ouvem, mas não entendem.

PROFESSOR – Como o Senhor vê hoje a questão dos poetas em nossa cidade?

SENADOR – Uma divisibilidade com muita distância. A gente tem um poeta e ninguém conhece. Precisa se divulgar mais.

PROFESSOR – O que precisa ser feito?

SENADOR –  É muito difícil. Era pra existir mais compreensão dos poetas, se ajudarem mais uns aos outros. Hoje eu sou o que sou porque os poetas antigos me ajudaram. Agente precisa ter fé em Deus, trabalho, capricho e perseverança. É algo muito importante.

PROFESSOR – O senhor me falou que já está perto de partir dessa vida. O que o Senhor me diz sobre a vida e a morte?

SENADOR –  É melhor nem pensar. Porque pra ela conduzir não precisa fazer promessas. Todos somos candidatos e eu a chamo de A Rainha da igualdade, não tem escolha, leva de um modo geral.

PROFESSOR: Obrigado Senador pela entrevista. Foi um prazer conversar com o Senhor!




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