Sua obra está situada de acordo com Duarte e Macêdo (2001), em um momento de transformação na cidade do Natal, no contexto da Segunda Guerra Mundial que de tranquila, passa a perturbação dos sons dos carros e aviões. Nesse direcionamento, Jorge Fernandes, por meio de sua obra, busca criar uma identidade própria para Literatura Potiguar com uma nova proposta não só para as produções do RN, mas para a literatura brasileira. “Seu projeto poético, assumido conscientemente através de um artesanato verbal, articula-se numa linguagem marcadamente regional entremeada de cacoetes moderníssimos. (DUARTE; MACÊDO, 2001, p. 182).
Sua linguagem está atrelada às novas
tendências do início do século XX que permeava a vida dos jovens da época. (GARCIA,
2007). Sob esse olhar moderno, o poeta cria sua poesia envolvida por sentimentos
de mudança com signos que sobrevoam como aviões, que roncam como carros e máquinas do novo século. O
poeta traz elementos que tornam a poesia viva, que nos faz sentir, ouvir e ver
as paisagens da cidade e do interior.
Embora sua vivência estivesse relacionada mais à capital, Jorge de Fernandes trabalhou no comércio, permanecendo por 25 anos na função de caixeiro viajante, que lhe permitiu observar, conhecer e sentir a natureza em viagens periódicas de automóvel pelo interior do RN, “oportunidade que soube aproveitar para criar belas imagens em vários poemas” (GARCIA, 2007, p. 65). Assim, sua obra poética tem o som das engrenagens como o ronco do motor e os sons da natureza como o canto dos pássaros, o coaxar dos sapos e o barulho das águas. Tais elementos são marcados por onomatopeias, pontuações e reticências. Nesse contexto, apresentamos o poema TETÉU:
O poema TETÉU, nos chama logo a
atenção pela sua estrutura. Rompendo com a poesia clássica e se alinhando ao
modernismo, Jorge Fernandes apresenta um poema sonoro com onomatopeias e versos
desalinhados na impressão
da folha, dando a impressão de movimento, o
que corresponde ao alvoroço dos tetéus voando. É um poema visual e construído
para ser lido em voz alta, pois só assim, o leitor compreenderá melhor sua
grandeza. De preferência, ser lido por vários leitores ao mesmo tempo e de
forma descompassada, criando assim, o efeito do alvoroço das aves, pois se
tomarmos o ditado popular, quem se presta a falar muito é comparado a um
“tetéu”.
Na primeira estrofe: o autor logo
nos apresenta a característica da ave, “- canela fina -”, enfatizando com os
travessões. Além dos recursos utilizados na estrutura, o poema apresenta traços
descritivos, com informações detalhadas da ave. O autor constrói a imagem como
se pintasse uma tela. Ao observar a ave, com uma perna encolhida e outra
estirada, característica comum à espécie, dá a impressão que o animal pousa
para o poeta como uma modelo pousa para um pintor. Porém, a cena pode ser
desfeita a qualquer instante, “Num descuido desce a outra/Desperta logo: — Té-te-téu!”, desfazendo a harmonia.
Após quebrar a harmonia com o
verso da última estrofe, o poema assim como a ave, parece cantar e voar
alvoroçado e começa o jogo de palavras “Té-te-téu!” como se houvesse um duelo
de violeiros disputando uma peleja:
“Todos
respondem: — Té-te-téu!
—
Sentinela das matas... dos campos...
Sineta
suspensa badalando na noite: — Té-te-téu!”
O
tetéu é uma ave emblemática da região. Por passarem maior parte do dia
pastorando seus ninhos em meio ao pedregulho, estáticas, são verdadeiras “Sentinela
das matas... dos campos...” que a qualquer movimento de perigo alarmam para que
todo o bando saiba que tem predadores por perto. Além disso, em noite de
inverno, o tetéu anuncia a chegada
e o fim de uma chuva. Um sertanejo de raiz saberá se choverá e quando a chuva
acabará, pois essa ave sempre alarmada, dará o sinal. Para quem viveu e
vive na zona rural já disse ou ouviu alguém dizer: “Vai chover, o tetéu cantou!”,
ou então, “A chuva vai acabar, o tetéu cantou!”
Por
fim, o poema parece voar da página:
Té... téu!
Té... téu!
Téu... té.-téu...
Té... téu! Té...
téu!
Té... téu...Té...
téu!
Té.-téu!...
Té... téu...
“Num alvoroço de alarme” seus versos vão e voltam “Sobre o
açude”, “Revoando em bando no espaço incendido do sertão sem nuvens”. O poema TETÉU,
como o próprio título sugere, o tetéu faz parte da cultura do seridoense, do
sertanejo nordestino, o tetéu é meu e “Teu”.
Hadoock Ezequiel Araújo de Medeiros
25/09/2020
ARAÚJO, Humberto Hermenegildo
de. Uma introdução aos estudos modernista no Rio Grande do Norte. Campinas,
1991 (Dissertação de mestrado)
DUARTE, Constância
Lima; MACÊDO, Diva Maria Cunha Pereira de. (Orgs.) Literatura do Rio Grande do Norte – Antologia. 2 ed. rev. aum.
Natal: Governo Estado do Rio Grande do Norte; Fundação José Augusto; Secretaria
do Estado de Tributação, 2001.
Comentários
Postar um comentário