TETÉU: UM ALVOROÇO DE POESIA MODERNISTA


        TETÉU é um dos poemas de Jorge Fernandes (1887 – 1953). O poeta é considerado, na literatura Norte-rio-grandense, inaugurador do Modernismo, com a publicação do Livro de Poemas, de 1927, em que se encontra o poema em questão. O poeta foi revelado pelo escritor Câmara Cascudo que tentando descobrir novos valores fazia viagens para o Sul e mantinha correspondências com intelectuais do país. (ARAÚJO, 1991).


Sua obra está situada de acordo com Duarte e Macêdo (2001), em um momento de transformação na cidade do Natal, no contexto da Segunda Guerra Mundial que de tranquila, passa a perturbação dos sons dos carros e aviões. Nesse direcionamento, Jorge Fernandes, por meio de sua obra, busca criar uma identidade própria para Literatura Potiguar com uma nova proposta não só para as produções do RN, mas para a literatura brasileira.   “Seu projeto poético, assumido conscientemente através de um artesanato verbal, articula-se numa linguagem marcadamente regional entremeada de cacoetes moderníssimos. (DUARTE; MACÊDO, 2001, p. 182).

Sua linguagem está atrelada às novas tendências do início do século XX que permeava a vida dos jovens da época. (GARCIA, 2007). Sob esse olhar moderno, o poeta cria sua poesia envolvida por sentimentos de mudança com signos que sobrevoam como aviões, que roncam como carros e máquinas do novo século. O poeta traz elementos que tornam a poesia viva, que nos faz sentir, ouvir e ver as paisagens da cidade e do interior.

Embora sua vivência estivesse relacionada mais à capital, Jorge de Fernandes trabalhou no comércio, permanecendo por 25 anos na função de caixeiro viajante, que lhe permitiu observar, conhecer e sentir a natureza em viagens periódicas de automóvel pelo interior do RN, “oportunidade que soube aproveitar para criar belas imagens em vários poemas” (GARCIA, 2007, p. 65). Assim, sua obra poética tem o som das engrenagens como o ronco do motor e os sons da natureza como o canto dos pássaros, o coaxar dos sapos e o barulho das águas. Tais elementos são marcados por onomatopeias, pontuações e reticências. Nesse contexto, apresentamos o poema TETÉU:

 


O poema TETÉU, nos chama logo a atenção pela sua estrutura. Rompendo com a poesia clássica e se alinhando ao modernismo, Jorge Fernandes apresenta um poema sonoro com onomatopeias e versos desalinhados na impressão da folha, dando a impressão de movimento, o que corresponde ao alvoroço dos tetéus voando. É um poema visual e construído para ser lido em voz alta, pois só assim, o leitor compreenderá melhor sua grandeza. De preferência, ser lido por vários leitores ao mesmo tempo e de forma descompassada, criando assim, o efeito do alvoroço das aves, pois se tomarmos o ditado popular, quem se presta a falar muito é comparado a um “tetéu”.


Na primeira estrofe: o autor logo nos apresenta a característica da ave, “- canela fina -”, enfatizando com os travessões. Além dos recursos utilizados na estrutura, o poema apresenta traços descritivos, com informações detalhadas da ave. O autor constrói a imagem como se pintasse uma tela. Ao observar a ave, com uma perna encolhida e outra estirada, característica comum à espécie, dá a impressão que o animal pousa para o poeta como uma modelo pousa para um pintor. Porém, a cena pode ser desfeita a qualquer instante, “Num descuido desce a outra/Desperta logo: — Té-te-téu!”, desfazendo a harmonia.


Após quebrar a harmonia com o verso da última estrofe, o poema assim como a ave, parece cantar e voar alvoroçado e começa o jogo de palavras “Té-te-téu!” como se houvesse um duelo de violeiros disputando uma peleja:


“Todos respondem: — Té-te-téu!

— Sentinela das matas... dos campos...

Sineta suspensa badalando na noite: — Té-te-téu!”

 

O tetéu é uma ave emblemática da região. Por passarem maior parte do dia pastorando seus ninhos em meio ao pedregulho, estáticas, são verdadeiras “Sentinela das matas... dos campos...” que a qualquer movimento de perigo alarmam para que todo o bando saiba que tem predadores por perto. Além disso, em noite de inverno, o tetéu anuncia a chegada e o fim de uma chuva. Um sertanejo de raiz saberá se choverá e quando a chuva acabará, pois essa ave sempre alarmada, dará o sinal. Para quem viveu e vive na zona rural já disse ou ouviu alguém dizer: “Vai chover, o tetéu cantou!”, ou então, “A chuva vai acabar, o tetéu cantou!”

Por fim, o poema parece voar da página:

Té... téu! Té... téu!

                         Téu... té.-téu...

          Té... téu! Té... téu!                       

Té... téu...Té... téu!

Té.-téu!...                Té... téu...

 

“Num alvoroço de alarme” seus versos vão e voltam “Sobre o açude”, “Revoando em bando no espaço incendido do sertão sem nuvens”. O poema TETÉU, como o próprio título sugere, o tetéu faz parte da cultura do seridoense, do sertanejo nordestino, o tetéu é meu e “Teu”.

 

Hadoock Ezequiel Araújo de Medeiros

25/09/2020



ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Uma introdução aos estudos modernista no Rio Grande do Norte. Campinas, 1991 (Dissertação de mestrado)

DUARTE, Constância Lima; MACÊDO, Diva Maria Cunha Pereira de. (Orgs.) Literatura do Rio Grande do Norte – Antologia. 2 ed. rev. aum. Natal: Governo Estado do Rio Grande do Norte; Fundação José Augusto; Secretaria do Estado de Tributação, 2001.

 FERNANDES, Jorge. Livro de poemas e outras poesias. Natal; Fundação José Augusto, 1970. p.58.

 GARCIA, Maria Lúcia de Amorim. Ensaios de abertura: Jorge Fernandes o viajante da alegria tropical. In: GARCIA, Maria Lúcia de Amorim (Org.) Jorge Fernandes: O viajante do tempo modernista. Natal, RN/Econômico, 2009. p. 31-58

 

 


 



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