O tema do apocalipse tem atraído leitores
do mundo inteiro. Nas telas de TVs e cinemas, são centenas de filmes que
abordam essa perspectiva. Em muitos casos, o leitor chega a ter medo e logo se
alivia, pois percebe que era apenas ficção. Contudo, na vida real, enfrentamos
situações extremas que se assemelham às cenas das séries e filmes e nem nos
damos conta do tamanho da miséria e da vida de zumbi que o mundo carrega há
séculos.
No sertão nordestino, castigado pela seca e,
por conseguinte a fome, tem sido por muito tempo, arrastado pelo abandono e a
miséria, em que a indústria da água, tornou-se passaporte para muitos políticos
alcançarem o poder. No livro Fome, de Márcio Benjamim, o autor apresenta
por meio da ficção a miséria da fome, não como consequência da seca, mas sim, por
incompetência dos governantes.
Márcio Benjamim Costa Ribeiro, 40 anos,
nasceu em Natal e é formado em advocacia pela UFRN. Desde a adolescência que
apresenta habilidades com a escrita literária. É “participante usual de
antologias de terror (Noctâmbulos, Caminhos do Medo, pela Editora Andross),
também já fez muita gente rir com suas peças de teatro (Hippie-Drive, Flores de
Plástico, Ultraje)” (CULTURAL, 2019)
Histórias de terror é o tema preferido do
autor. Publicou Maldito Sertão, seu primeiro livro de contos em 2012 e 2016,
o seu primeiro romance, Fome, sendo finalista do Prêmio da Biblioteca
Nacional como Romance Infanto Juvenil. Mesmo sendo jovem no cenário da
literatura potiguar, Benjamim já conquistou vários prêmios: em 2016 “foi
convidado pela Universidade de Sorbonne, para expor seu trabalho em Paris, onde
discutiu sobre o sertão nordestino e a força da oralidade como meio de
preservação dos contos e lendas que permeiam as vivências sertanejas, também
participou do Salão do Livro na capital francesa. Em 2018 foi convidado pelo
SESC-RN e representou o Rio Grande do Norte no projeto Arte da Palavra”
(CULTURAL, 2019).
No romance, o autor consegue abordar o
tema da fome de maneira surpreendente. Em uma primeira leitura, parece ser
apenas mais um livro de terror, cercados por zumbis. Contudo, traz uma forte
crítica social que nos faz refletir sobre a realidade do sertão, “não bastasse
a seca, que volta e meia assombrava a cidade, ainda essa”. (BENJAMIM, p. 19). A
história, retoma os campos de concentração durante a seca de 15, no Ceará, mas
que não deixa de refletir sobra a atualidade.
A linguagem simples do romance dá
singularidade à leitura, carregada de palavras do dicionário nordestinês,
presentes tanto na fala do narrador quanto na das personagens: “Aquela ruma de
cano” (BENJAMIM, p. 20). O livro está dividido em duas partes e sua leitura
deixa o leitor aflito. Suas mãos se pregam nas páginas do livro como se os
zumbis o puxassem para dentro da história. Ao escrever o romance, o autor agrada
o público juvenil, apaixonados por best
sellers, no entanto, Benjamim, não se preocupa apenas com o que os jovens
estão interessados, ele vai além, uma vez que sua escrita é literariamente bem construída, agrando leitores e críticos
literários.
Deixo aqui, alguns trechos do capítulo “Nove” para que os leitores
degustem um pouco e procurem adquirir o livro e conhecer um pouco mais da
literatura potiguar:
NOVE
Antônio acordou sem ar com o sol forte lhe
lambendo a cara.
Agoniado e banhado em suor, tremia como se
tivesse febre.
Desesperado, quase correu até a cozinha da
grande casa paroquial, vazia como sempre.
Por pouco não arrancou a porta da
geladeira, já descascada.
Ali não teve tempo de pensar em pecado,
devorou foi o que tinha: pão, queijo, o vinho da missa, um resto de cuscuz e
uns sequilhos amanhecidos. Em pé mesmo, como um cavalo no cocho.
Mas quem disse?
O estômago era um buraco vazio, sem fundo.
Já não comia com talher, aquilo pedia
mãos, dedos; as unhas cheias de resto de comida, a bebida se derramando pela
barriga, oca como a sua fé. [...] (p. 65).
Dentro
do box encardido, deixou a água lhe molhar o pijama, rezando para que a
misericórdia divina afastasse aquele tormento.
Em nome de jesus.
No estômago, o vazio não lhe deixava
pensar em outra coisa, a dor lhe apertava as tripas numa cólica venenosa, como
se tomasse pra si a atenção de cada parte do corpo.
Nunca na vida. Não daquele jeito.
Caído no chão, já nem gemia; encolhido,
apertava o estômago teso até sentir os dedos embranquecerem, os músculos tesos
como um pedaço de pau. [...] (p. 66)
Num pinote bem dado, Antônio agarrou-o
pelos ombros, e deu-lhe, na planta do pescoço, uma certeria dentada, se
banhando no rio de sangue.
Tonto pela cana, Tenório ainda tremeu um
pouco, como galinha quando se tora o pescoço, mas deu nem tempo.
Naquele dia, o álcool, de que tanto
falavam mal, lhe foi uma benção.
Ajoelhado para comer melhor, Antônio
devorava com felicidade os pedaços do mendigo, tentando acalmar a fúria cega
que lhe consumia por dentro. (p. 67)
Hadoock Ezequiel
02/10/2020
Referências
BENJAMIM, Márcio. Fome. Natal: Jovens Escribas, 2016.
PAPO CULTURAL. Disponível em: https://papocultura.com.br/marcio-benjamin-livro-agouro/. Acesso em: 02 de sent. 2020.
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