MARIA MARIA PLANTANDO POESIA

 


“Terra de gente bonita e inteligente”! Assim é o Seridó, visto pelos meus avós e seridoenses de outros tempos.  Aqui é o lugar de histórias marcantes e de figuras importantes que se destacaram ao longo dos anos, seja na arte, seja na política. Localizado no semiárido, seu povo tem sua maneira de Ser(ir)dó, ser tão nordestino, vivendo a Dó da seca e suas consequências sociais, assim como outras regiões do Nordeste.

Mas como herói de si mesmo, seu povo não desistiu e trouxe na bagagem da história uma mala de cultura repleta da música, do cordel, da cantoria de viola, do vaqueiro e do seu aboio, da culinária, do artesanato, das danças e manifestações religiosas e tantas outras vertentes artísticas.

Mergulhada pela memória do ciclo do gado, do algodão e da mineração, a região Seridó é um lugar perfeito para a imaginação e a criatividade dos artistas que fazem desse lugar seu reino encantado. Nas cidades que compõem o cenário seridoense, encontramos artistas extraordinários e em Currais Novos, a cultura parece saltar em cada esquina, em cada praça, personificando a alma artística de quem aqui vive.

No âmbito da literatura, temos grandes nomes, tanto do passado como do presente que vêm contribuindo para a produção literária do estado e consequentemente nacional. Entre esses nomes, destaco a escritora Maria Maria Gomes: professora, escritora e poetisa. Possui doze obras nos gêneros prosa e poesia. Atualmente trabalha na 9 ª DIREC/RPTV e apresenta o canal Maria Maria no Mundo das Palavras com temas voltados para a leitura literária.

Maria é licenciada em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista em Literatura Luso-brasileira UFRN,  Literatura e Ensino -IFRN,  Educação, Pobreza e Desigualdade Social  - UFRN. Atualmente, cursa Licenciatura em Geografia Ead, pela UFRN, Polo de Currais Novos.

Na estrutura de sua poesia, Maria Maria traz raízes da nossa cultura que logo são percebidas nas imagens poéticas. Ao lermos sua obra, manifestamos nossos sentimentos seridoenses e sentimos nas páginas dos seus livros o cheiro da chuva, da terra molhada. Ouvimos os riachos cantando sobre as pedras, levando areia e saudade e amaciando a terra áspera queimada do sol. Ouvimos também o canto dos pássaros ao entardecer e o ronco do trovão, vemos as serras balançando as folhagens com o vento da chuva. Na sua poesia, também é possível encontramos amores, paixões e esperança. No poema Tarde seridoense, no livro Proposta de Chuva, a poetisa pinta uma aquarela seridoense com pinceladas de cultura e tradição de seu povo.

Tarde Seridoense

Um quarto da minha infância

Traz o retrato das tardes seridoenses:

 

a mesa de nervuras sinuosas

acolhendo uma bandeja de frutas plásticas;

um galo cantando madrigais

- galos cantam madrigais-;

Uma cadeira de cipó, herança

de mãos antigas;

um silêncio único e incomparável

a outros silêncios;

uma janela olhando a roseira

ou ambas espalhadas em si mesmas;

um doce de goiaba madura cheirando

em borbulhas no alguidar.

 

Um quarto da minha infância

Enche-me de saudade de ontem.

 

O eu poético traz um sentimento que não é só seu, mas de todo seridoense que aqui nasceu e viveu, nem que tenha sido um quarto de sua infância. Ao lermos o poema viajamos nas imagens poéticas e nos transportamos para um tempo em que o Seridó ainda mantinha a tranquilidade, do sertanejo que, mesmo com a vida sofrida do campo, contemplava a natureza, musicada pelo canto poético de um galo, despertando o sertanejo.

O poema traz uma cena que representa muitas casas do interior, principalmente na zona rural e o eu lírico a personifica “uma janela olhando a roseira”, dando vida a casa de sua infância, não é mais ele que a olha, mas a casa que a vê pela janela e ambos contemplam o instante.

Também não poderia esquecer as tradições seridoenses. O poema sinestésico, além da visão, nos traz cheiros e sons. Quanto ao cheiro, o leitor enche a “boca de água”, como diz popularmente, sentido o gosto inconfundível de “um doce de goiaba madura/ cheirando em borbulhas no alguidar”, realçando as tradições culinárias da terra.

Hoje, com o mundo complexo, mecânico e globalizado, esquecemos de contemplar as coisas boas que estão a nossa volta. A natureza se esconde por “trás do neon”, como diz o grande poeta Antônio Francisco, e a única maneira de resgatar esses instantes de contemplação é se transportar para o passado por meio da memória, enchendo o eu lírico e o leitor de “saudade de ontem”.

 

Hadoock Ezequiel

21/08/2020

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