Hadoock Ezequiel
05/11/2020
Quem já ouviu falar de mamulengo, calunga,
João Redondo e nunca viu de perto, visite o Seridó, no Rio Grande do Norte.
Aqui é onde ele mais tem se destacado nos últimos anos. No livro, Prêmio Teatro
de Bonecos Popular do Nordeste: mamulengos, Cassimiro Coco, Babau e João
Redondo, publicado em 2017, pelo IPHAN, o Rio Grande do Norte
se apresentou como o estado com mais artistas na área, sendo a presença desse
brinquedo mais acentuada na região do Seridó e da Serra de Santana.
Nos estudos feitos por
Gurgel (1982), o Teatro de Bonecos tem suas origens nas civilizações mais
remotas como a Ásia. De lá, espalhou-se pela região da Europa, tendo como ponte
de articulação, a Turquia. Em seu processo de migração, esse teatro sofreu metamorfoses,
“o que era pobre e rústico, antes, sofreu um verdadeiro processo de ascensão
cultural e transformou-se, na Europa, numa arte altamente refinada, que os
soberanos europeus não dispensavam nas horas de lazer, em seus palácios”
(GURGEL, 2008, p. 6). No Nordeste brasileiro, há um caminho reverso, em que o Teatro
de Bonecos volta às origens, sendo produzido, muitas vezes, por pessoas
humildes, sem estudos e feitos de forma rústica.
O João Redondo, nomenclatura adota pelos brincantes do RN, possui personagens diversas que ora são humanos, ora são animais ou espectros. No caso das figuras em forma de animais, elas tendem a ganhar características humanas, como as histórias do tempo em que os animais falavam, recorrente na cultura popular. Tais personagens
[...] emanam do meio ambiente,
donde foram retiradas, para emprestar humanização ao elenco tradicional
brinquedo de bonecos. Mesmo as saídas do meio-animal, quando relembrados pelo
dom de falar, comtemplam o reino-humano, estão vivas dentro da crendice do
fabulário nordestino (GOMES, 2002, p.70).
Diferente
do teatro grego, o teatro de bonecos, ganha vida através das mãos do brincante,
que por trás da tolda, faz um jogo performático que vai além do movimento da
mão. Ao incorporar o personagem, para que ele ganhe vida própria, o brincante,
dança, pula, e interpreta vozes. “É um baile alegórico, alegrado pela
participação de suas figuras, reunidas em pares, movimentadas pela graça
produzida pela música, entrecortando as cenas desenvolvidas durante o
desempenho do espetáculo” (GOMES, 2002, p.70).
Por trás da tolda
colorida de chita e dos bonecos, existe um ser humano, que incorpora ao mesmo
tempo vários personagens, trazendo uma carga de experiências de mundo em que “as
articulações tecidas vão ao encontro da trajetória de vida do artista e de sua
arte, procurando pontuar aspectos fundamentais na construção desse processo de
vida. Alimenta-se da tradição dos brincantes, da arte circense e incorpora
elementos diversos do cotidiano. (ASSUNÇÃO, 2015, p. 7).
Nos últimos anos, Currais Novos vem
sediando o Encontro de
Bonecos do RN. Em 2019, foi
realizado o sétimo evento, reunindo os bonequeiros de todo o estado, tendo
Ronaldo Gomes como o presidente da Associação dos bonequeiros do Rio Grande do
Norte. O evento, além de divulgar os brincantes, dá relevância às mulheres
brincantes de João Redondo. Dentre elas, destaca-se Maria Ieda da Silva
Medeiros, de Carnaúba dos Dantas/RN, conhecida como Dona Dadi (80 anos).
Sua inventividade extrapola os
habituais bonecos de luva, encontrados na maioria dos brincantes. Ela constrói
marionetes de fios e de vara, de grande porte, com membros articulados,
lembrando os santos de roca, utilizados na abertura de eventos, anunciando que
ali vai haver uma apresentação do Teatro de Bonecos.
(PEREIRA, 2018, p. 216).
Desafiando as ordens da
sociedade patriarcal, Dadi criou seu próprio brinquedo. Não mudou a essência
dos bonecos, mas deu-lhes características singulares com cores vivas,
vestimentas inovadoras e voz feminina. Com sua criatividade, alegria e teatralidade,
Dona Dadi levou para diversos recantos do Seridó Potiguar, uma tradição
milenar, alegrando a vida de muitos seridoenses. Com a maestria de suas mãos e
a força da sua voz, ela manteve viva a memória cultural do nosso povo.
Hoje é exemplo para muitos brincantes de João redondo, sendo referência e inspiração para outras mulheres que almejam ser calungueiras. Muitos estudiosos têm mostrado interesses em estudar a obra de Dona Dadi, dentre eles, destacamos a tese de doutorado, Dadi e o Teatro de Bonecos: memória, brinquedo e brincadeira, de Maria das Graças Cavalcante Pereira, sendo referência para quem quer conhecer melhor sobre a brincadeira dessa calungueira.
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Imagem disponível em:
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ASSUNÇÃO, Luiz. Prefácio para “Show de mamulengos”
de Eraldo Lins: construções e transformações de um espetáculo na cultura
popular. Natal/RN: IFRN Editora, 2015, p. 5-7.
GURGEL, Deífilo. O Reinado de Baltazar: teatro
de João Redondo. Natal/RN: Fundação Campina das Artes, 2008.
GOMES, José Bezerra. Teatro de João Redondo: Nomenclatura,
repertório, auto. In: Obras reunidas: ensaios. Natal/RN: EDUFRN, 2002,
p. 63 – 96.
IFPHAN. Iphan reconhece teatro de bonecos do Nordeste
como Patrimônio Cultural do Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2015-03/iphan-reconhece-teatro-de-bonecos-do-nordeste-como-patrimonio-cultural-do
. Acesso em: 20 mar. 2020.
IFPHAN. Prêmio
teatro de Bonecos Popular do Nordeste: mamulengo, Cassimiro Coco e João
Redodndo. Rívia Ryker Bandeira de Alencar (Coord.) Brasília, 2017.
PEREIRA, Maria das Graças Cavalcanti. Dadi e o
Teatro de Bonecos: memória, brinquedo e brincadeira. 2010 (Dissertação de
mestrado).
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