Embora seja um nome renomado na literatura,
não só do estado, mas nacional, muitos desconhecem a obra da poetisa Zila
Mamede, principalmente quando pensamos nos alunos da Rede Pública de Ensino do
Rio grande do Norte. No âmbito da literatura potiguar, a poetisa faz parte, de
acordo com os estudos de Duarte e Macedo (2001), do terceiro período, chamado
de Modernista, momento em que ocorre a Segunda Guerra Mundial e a capital,
Natal, passa por uma transformação, em que reflete-se na literatura e surge o desejo
de se construir uma identidade própria.
Zila Costa Mamede nasceu em 15 de setembro
de 1928, na Vila de Nova Palmeira, Estado da paraíba, município de Picuí. Filha
de Josafá Gomes da Costa Mamede e Elídia Bezerra Mamede. Ainda criança, deixou
o estado da Paraíba e veio para o Rio Grande do Norte, sendo Currais Novos, o
seu destino. Em plena Segunda Guerra Mundial, a família mudou-se para Natal,
pois “o pai, mecânico, dono de oficina, estava na capital potiguar desde de
1939, na ‘ilusão’ de trabalhar para os norte-americanos” (CASTRO, 2011, p. 70)
Começou a escrever seus poemas quando
estudava no Colégio imaculada Conceição, de 1943 a 1949. Porém, seu primeiro
livro Rosa de Pedra, só foi publicado em 1953. O livro foi ilustrado
pelo escritor e artista plástico Newton Navarro (CASTRO, 2011). Em 1958, lança
seu segundo livro: Salinas, publicado no Rio de janeiro. “Com essa obra,
recebeu o Prêmio de Poesia Vânia Souto de Carvalho, dividido com o poeta
pernambucano César Leal. No ano seguinte, publicou seu terceiro livro,
intitulado de O Arado, sendo Carlos Drummond Andrade, “peça fundamental”
(CASTRO2011, p.84). Nos anos seguinte, Zila dedicou-se ao trabalho, “como um
importante pesquisa sobre a produção intelectual de Câmara Cascudo e a de João
Cabral de Melo Neto” (DUARTE e MACÊDO, 2001, p. 428). A autora só retoma suas
escritas no ano de 1975, publicando Exercício da palavra. Em 1978, reúne
no volume Navegos, suas poesias acrescidas de um novo livro – Corpo a
corpo.
Formada em Biblioteconomia no Rio de
Janeiro, especializada nos Estados Unidos, Zila foi responsável pela
reestruturação da Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte e a Biblioteca Pública Estadual Câmara Cascado. “Além de ter sido pássaro
raro na biblioteconomia nacional, foi ainda (ou acima de tudo) poeta – do mar e
da terra -, amiga de Drummond e Bandeira. (CASTRO, 2011p. 66.).
Em análises sobre a obra de Zila, muitos
destacam a paixão pelo mar, no entanto, sua poesia tem lembranças do cheiro da terra
e a água doce do sertão potiguar. Trago aqui para o leitor, o soneto Açude,
presente no livro O Arado:
O açude
Velha
parede ponte limitando
os dois
barrancos entre chão e chão.
Ao passadiço (em que montavam luas,
xexéus milipousavam no mourão)
a
represança vinha da montante
em balde concha. Sobre a levação
do sangradouro retesou-se tempo
de quando as águas, nos rasgando a mão.
Desciam
na revência, verdivida
amarelando cheiro de melão:
eram celeiros, peixes nos maretas
e em nós
era ternura, era canção.
Sobras do antigo na menina extinta:
redorme na vazante a solidão.
Açude, traz um lirismo
permeado por palavras de neologismo como represança, verdivida, redorme e milipousavam,
sinalizadas pelo eu lírico que servem como elementos que realçam a memória de
sua infância. Para o sertanejo, a simbologia do açude, representa muitas
lembranças alegres de banhos em anos de invernadas, fartura de lavouras plantadas
nas vazantes, criações de ovinos, caprinos entre outras, além de trazer o verdivida,
que alegra a alma do sertanejo.
O poema se apresenta ao leitor como um portal do
tempo, em que vemos o eu lírico, transportado para o passado da sua infância.
Na primeira estrofe, temos um cenário separado pela lembrança da parede do açude,
talvez dividindo passado e presente desse eu lírico: “Velha parede ponte
limitando/ os dois barrancos entre chão e chão”, chãos que se separam por
milhares de quilômetros do tempo. Na passagem de um chão a outro, o eu poético
se depara com o passadiço, espécie de escada feita de pau rústico de plantas da
Caatinga que serve para o homem do campo passar sobre as cercas de arames
farpados.
É uma passagem rápida que liga dois mundos
separados por uma cerca. Além disso, o nome passadiço dos sertões é desafiador,
requer ao sertanejo equilíbrio que ao começar a travessia ele se pergunta:
“será que passo disso!”. O passadiço do poema é envolvido por belas imagens que
mesmo difícil de se cruzar, aviva a memória do eu lírico com a beleza da
natureza: “Ao passadiço (em que montavam luas, /
xexéus milipousavam no mourão)”.
Assim como água que represa no açude, a memória do
eu lírico represa-se, ficando presa sob a elevação de um sangradouro em que “retesou-se
tempo” que como água “rasgando a mão”
traz cheiros de “melão” que como celeiros, armazenam a vida outra e as
passagens de “verdivida”, tornam-se canção e no leito da vazante do passado a
solidão “redorme” na memória de uma menina “extinta” cheia de ternura da
infância que ficou do outro lado da parede do açude.
Hadoock Ezequiel
09 de outubro de 2020
Referências
DUARTE,
Lima e MACEDO, Diva Cunha Pereira de. Literatura do Rio Grande do Norte:
antologia. Natal: Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Fundação José
Augusto, Secretaria de Estado da Tributação, 2001, p. 428.
MAMEDE, Zila.
O Arado: poesia. Rio de Janeiro: livraria São José, 1959.
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