A CANTORIA DE VIOLA NORDESTINA

 



Hadoock Ezequiel Araújo de Medeiros

 

Há alguns anos dediquei-me a escrever sobre a literatura de cordel. De início, tinha uma grande preocupação, pois pensava que estava havendo um apagamento dessa literatura. Porém, ao aprofundar-me nos estudos e, ao mesmo tempo, produzir cordéis, construindo ciclos de amizades com os poetas, percebi que estamos bem representados, não só no Nordeste, mas em todo o Brasil. São inúmeros poetas espalhados pelo nosso território, muitos deles jovens que acabaram despertando o gosto por essa literatura, mantendo-a viva. Hoje, é possível encontrá-la por todos os meios de divulgação, seja material, seja virtual.

Como pesquisador e poeta popular, atualmente, minhas preocupações recaem sobre outra vertente popular – o repente da viola, da cantoria dos poetas nordestinos. Embora saibamos que há um grande número de violeiros pelo Nordeste e no país como um todo, são poucos os jovens engajados nessa modalidade. Como professor de Ensino Fundamental da rede pública, é comum vermos a literatura de cordel transitando na sala de aula, mas quando paramos nosso olhar sobre os poetas violeiros e o repente, nada encontramos. Por essa ótica, percebemos o quanto é carente a divulgação e propagação dessa cultura, que nosso alunos – os jovens –, quando têm a oportunidade de vivenciá-la, a definem como sendo coisa de “velho”.

Realmente é coisa de “velho”, pois se trata de uma cultura antiga que, mesmo tendo raízes europeias como, por exemplo, as glosas populares, nasceu aqui no solo nordestino no século XIX. Para Alves Sobrinho (2003, p. 21-22), a poesia popular no Nordeste nasceu quando

 

No fim do século passado os cantadores Silvino Pirauá Lima e Germano Alves de Araújo Leitão (Germano da Lagoa), o primeiro de Patos das Espinharas e o segundo da Serra do Teixeira, ambos paraibanos, escreviam e cantavam ao som de suas violas, romances e pelejas.

 

A cantoria ou o repente da viola é uma cultura da oralidade. Nasce da espontaneidade do cantador e vai ao encontro do gosto popular. Como dito anteriormente, ela nasce nos solos nordestinos. O repente “surgiu entre nós, em meados do século XIX, era realizado nos terreiros e alpendres de fazenda dos sertanejos em dias festivos como São João e São Pedro ou em celebrações de casamento e batizado” (Alves Sobrinho, 2003, p. 37).

De início, esses cantadores utilizavam-se de outro instrumento, a rabeca, um tipo de violino popular. Um grande exemplo desses cantadores foi Fabião das Queimadas, repentista potiguar e escravo que conseguiu a alforria dele e dos irmãos por meio da sua cantoria. Mais tarde, com o surgimento da viola, os poetas foram adaptando esse outro instrumento. Nos dois últimos séculos, a maioria dos violeiros nordestinos eram pessoas analfabetas ou semianalfabetas que percorriam o Nordeste angariando o sustento com sua poesia, muitas vezes sendo vítimas de preconceitos pelos grandes senhores de engenho (Alves Sobrinho, 2003). Hoje em dia, muitos desses repentistas são pessoas com boas formações como: médicos, professores, advogados, entre outros.

Embora muitos vejam essa vertente como “coisa de velho”, ela traz em sua estrutura elementos complexos, sendo elaborada a partir de regras de rimas e métricas, além de possuir um profundo conhecimento de diversas áreas, afinal, para se fazer um bom repente, o poeta precisa ter um bom repertório. No passado, nossos poetas repentistas podiam ser analfabetos, mas eram extremamente conhecedores do mundo, eram letrados e autodidatas, em sua maioria.

Para entendermos a grandeza dessa vertente popular, seguem algumas modalidades que compõem os versos da cantoria, conforme Alves Sobrinho (2003, p. 38-45):

·                A portuguesa ou recitativa;

·                A espanhola ou espinela;

·                Martelo de seis pés;

·                Martelo agalopado;

·                Galope à beira mar;

·                Maia quadra;

·                Quadrão grande;

·                Os dez de queixo caído;

·                Gabinete repetido;

·                Os dez de adivinhação;

·                Coqueiro da Bahia;

·                Oitava em quadrão;

·                Quebra cabeça;

·                Quadrão mineiro;

·                Quadrão perguntado;

·                Mourão dialogado;

·                Dez pés em quadrão;

·                Gemedeira;

·                Brasil de pai Tomás;

·                Brasil de caboclo de mãe preta e pai João;

·                Martelo alagoano;

·                Martelo miudinho;

·                Mourão de cinco pés;

·                Oitavão rebatido;

·                Oitava corrida;

·                Nonilha ou toada alagoana e os

·                Motes

 

Todas essas regras estão dentro de um esquema próprio de rima e métrica, tornando essa literatura singular. É preciso que haja uma melhor valorização dessa cantoria nordestina, e um lugar que poderia servir como meio de divulgação e compartilhamento seria a sala de aula.

Para finalizarmos, deixamos nas referências o link de um galope à beira-mar, cantado por Oliveira de Panelas e Geraldo Amâncio (2018).

 

Referências

 

ALVES SOBRINHO, José. Cantadores, repentistas e poetas populares. Campina Grande: Bagagem, 2003.

 

OLIVEIRA de Panelas & Geraldo Amâncio - Galope beira mar. [S. l.: s. n.], 14 jul. 2018. 1 vídeo (10min24s). Publicado pelo canal Encontro com a Poesia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kXRdDtgHcGQ. Acesso em: 10 abr. 2024.

 

 


 

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